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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A Escola de Vygotsky

Sueli Amaral Mello, em seu livro “A escola de Vygotsky”, diz-nos que o pressuposto da teoria histórico-cultural é de que na presença de condições adequadas de vida e de educação, as crianças desenvolvem intensamente diferentes atividades práticas, intelectuais e artísticas e iniciam a formação de idéias, sentimentos, hábitos morais e traços de personalidade que até pouco tempo atrás julgávamos impossível.
Mais conhecida no Brasil como Escola de Vygotsky, a teoria histórico-cultural é uma vertente da Psicologia soviética das décadas iniciais do século XX, após a Revolução Proletária, cujo pressuposto era o de que o homem é um ser de natureza social. Essa Escola advoga que a criança nasce com apenas uma potencialidade: a de aprender aptidões, de desenvolver sua inteligência (através da linguagem oral, da atenção, da memória, do pensamento, do controle da própria conduta, da linguagem escrita) e sua personalidade (através da auto-estima, dos valores morais, éticos e da afetividade).
Ao contrário dos outros animais, o homem precisa aprender as habilidades a desenvolver. Nunca houve pausa na transmissão dos conhecimentos acumulados, geração após geração, o que redundou no que chamamos de história humana. As criações culturais, não existindo no início dessa história humana, passaram a existir graças à atividade criadora e produtiva específica do homem: o trabalho. Com a construção dos objetos, as aptidões, habilidades e capacidades humanas necessárias ao seu bom uso foram também surgindo e sendo como que cristalizadas nos próprios objetos da cultura. Ademais, como principal tese da teoria histórico-cultural, a idéia de que o processo de desenvolvimento humano resulta de um anterior processo de aprendizagem se configura, também ela, como um processo socialmente mediato.
Essa compreensão de homem e de seu desenvolvimento vai condicionar todo o entendimento da questão educacional. A teoria histórico-cultural concebe o processo do desenvolvimento das qualidades humanas como de caráter educacional, o que nos remete a uma reflexão a respeito da educação, de um modo geral, e da prática pedagógica, em especial.
Com Piaget, aprendemos a pensar que as relações do indivíduo com as culturas são importantes, mas não essenciais, uma vez que sem elas haveria um nível de desenvolvimento humano garantido pela carga biológica com que a criança nasce. É aí que ocorre a ruptura adotada por Vygotsky. O desenvolvimento da inteligência e da personalidade é resultado da aprendizagem. As características inatas são condição essencial para o desenvolvimento, mas não suficientes. Em outras palavras, na ausência da relação com a cultura, o desenvolvimento humano não ocorrerá. O desenvolvimento não antecede a aprendizagem, mas, ao contrário, é a aprendizagem que antecede, possibilita e impulsiona o desenvolvimento. Mas, se a aprendizagem é tão importante, é preciso ir à teoria histórico-cultural e perguntar: quando acontece a aprendizagem?
Vygotsky, estudando as formas tradicionais de avaliação do desenvolvimento psíquico, percebeu que elas utilizavam apenas o que a criança era capaz de fazer independentemente dos outros. Ele chamou esse nível de desenvolvimento de zona de desenvolvimento real.
Além da zona acima indicada, Vygotsky percebeu o que chamou de zona de desenvolvimento próximo, ou seja, aquilo que a criança não é capaz de fazer sozinha, mas já é capaz de fazer em colaboração com um parceiro mais experiente, preparando-se para realizar a atividade por si mesma. Assim, somente haverá aprendizagem quando o ensino ocorrer na zona de desenvolvimento próximo. Ensinando, pois, à criança o que ela já sabe, ou para além daquilo que ela possa fazer com a ajuda de alguém, não haverá nem aprendizagem, nem desenvolvimento.
Para Vygotsky, o bom ensino é aquele que garante aprendizagem e impulsiona o desenvolvimento. O educador não deve fazer as atividades nem “pela”, nem “para a" criança, mas “com” ela, num espírito de parceria.
O papel da fala é dirigir o trabalho educativo para estágios de desenvolvimento ainda não alcançados pela criança, impulsionando novos conhecimentos e conquistas, a partir da zona real de desenvolvimento da criança, avançando a partir daquilo que ela já sabe, rumo àquilo que ela não sabe ou precisa da ajuda de outros para fazer.
Mas o educador não tem maior importância no processo educacional do que a própria criança. Ela também é tão importante para a o perfeito andamento das particularidades de sou processo de aprendizagem, quanto o educador.
A intervenção do adulto, para propiciar a aprendizagem, deve levar sempre em consideração a relação entre o desenvolvimento real e o nível do desenvolvimento próximo, alcançado pela criança. Ela só terá condições de fazer sozinha o que consegue fazer com a ajuda de outrem mais experiente, sempre ativo do ponto de vista daquele que aprende e num processo colaborativo, para que haja a perfeita reprodução do uso que a sociedade faz dos objetos, das artes, das técnicas, das relações sociais, etc.. O adulto, assim, tem que atuar junto com a criança, mas esta tem que realizar as atividades por si mesma e não o educador por ou para ela.
Nos primeiros meses de vida, a atividade principal da criança é a comunicação (emocional) com os adultos que cuidam dela. Na atividade com os objetos, a criança vai criando as condições para o desenvolvimento da fala. Próximo aos três anos, a criança passa a imitar os adultos em suas relações sociais e com o mundo da cultura.
Leontiev chama atividade não a qualquer coisa que a pessoa faça, mas apenas aquilo que faz sentido para ela, sempre com um objetivo (aquilo que se pretende alcançar no final da tarefa) e um motivo (a necessidade que leva a pessoa a agir). O sentido é dado pela relação entre o motivo e o objetivo previsto para a tarefa. Havendo coincidência entre motivo e objetivo, essas atividades têm um sentido para a criança. Mas atividade não como sinônimo de execução de uma tarefa pela criança. Ao contrário, como conhecimento do objetivo pela criança que deve responder a um motivo, a uma necessidade e a um interesse seus.
As atividades artificiais não geram necessidades de leitura e escrita na criança, nem buscam sua iniciativa. Não fazem sentido para a criança que aprende.
Se o bom ensino é aquele que incide sobre o que a criança ainda não sabe, como garantir que a criança mantenha uma atitude ativa em relação ao conhecimento e que, ao mesmo tempo, conheça o novo? Isso significa que o educador deve compartilhar com a criança os passos dos procedimentos didáticos, os objetivos das tarefas propostas, a divisão das tarefas possíveis e provoque a iniciativa e a atividade no processo de execução da tarefa, assim como sua participação na avaliação da atividade desenvolvida.
Esse trabalho compartilhado possibilita a atuação do aprendiz em níveis cada vez mais elevados e a internalização de aptidões, habilidades, e capacidades humanas cada vez mais elaboradas. Por exemplo, entre três e seis anos, devemos considerar que o faz-de-conta é a atividade pela qual novas capacidades e aptidões podem ser introduzidas. O que fazer quando as crianças não mostram interesse, motivo ou necessidade de leitura? Devemos simplesmente ignorar a leitura?
Sabedores de que, por exemplo, os programas de TV podem direcionar os nossos interesses e motivações, podemos constatar que se os motivos, os interesses e as necessidades são aprendidos, então velhos motivos podem ser modificados e novos podem ser criados; e, se os motivos que são trazidos pelos alunos para a escola são aprendidos nas diferentes situações em que vivem, então o papel da instituição escolar não é o de responder às necessidades, aos motivos ou interesses que as crianças trazem para a escola. Desta forma, o educador é um criador de necessidades que contribuam para o desenvolvimento humano das crianças. Mas, como criar novos motivos e interesses ligados às atividades humanas que a vida cotidiana não estimula nas crianças?
Quando a criança lê um livro “para ir brincar”, “ir brincar” é o motivo eficaz que move sua ação. A criança não faz a leitura como uma atividade, pois o motivo (ir brincar) não tem relação direta com o resultado que ela obtém ao final da ação que realiza (conhecer o assunto do livro). Aí, a leitura não tem sentido para a criança: ela só lê para poder ir brincar em seguida, sem se concentrar na leitura. Porém, no ato de ler, a criança pode vir a se interessar pelo que lê. Então, com o advento desse profundo interesse, o resultado da tarefa que realiza se torna mais significativo para a criança do que o motivo que, de início, impulsionou a ação de ler. É quando ela passa a ler para conhecer o assunto, também passando a compreender a leitura num nível mais elevado em sua consciência. A atividade da leitura torna-se, assim, significativa, ao tempo em que é criada uma nova necessidade e possibilitado um novo desenvolvimento.
Por isso, aquilo que será proposto às crianças, na escola é essencial e deve ser bem escolhido. È preciso que o educador descubra as formas mais adequadas de trabalho com o seu grupo, através do reconhecimento dos níveis de desenvolvimento real e próximo das crianças.
A criança que emerge dos estudos dessa teoria é, sem a menor dúvida, “capaz”: capaz de interação com os adultos, com os objetos; capaz de internalização das idéias e sentimentos morais e éticos; capaz de colocar-se no lugar dos adultos com plena compreensão dos diversos papéis e relações sociais que testemunha; capaz de fazer teorias, interpretar fenômenos e interações sociais. Assim, a criança passa a ser entendida e aceita como cidadã, como alguém que sabe por ser capaz de aprender.
Por fim, e a título de conclusão, somos informados pela autora que a teoria histórico-cultural estabelece que o ensino da criança de zero a seis anos não deve se desenvolver sob a forma de mera lição escolar, mas sob a forma de um jogo, utilizando-se de observação direta, bem como de diferentes tipos de atividade plástica. Então, para os estudiosos da Escola de Vygotsky, as bases sobre as quais deve ser realizada a formação orientada ao desenvolvimento da inteligência e da personalidade da criança, são: o desenvolvimento máximo das formas especificamente infantis de atividade lúdica, prática e plástica, além da imprescindível comunicação das crianças entre si e, imprescindivelmente, entre os adultos.

Jorge Pi





REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA



MELLO, S.A.. A Escola de Vygotsky. In:
CARRARA, Kester (org.). Introdução à Psicologia da Educação. São Paulo: Avercamp, 2004, pp. 135-154.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom. uma abordagem maravilhosa sobre vygotski.