1 – Antecedentes da Questão.
Para que possamos responder, com segurança, à questão temática deste trabalho, julgamos essencial o lançarmos luz sobre a seguinte questão: o que é a Filosofia e o que é ser filósofo? Tendo esta questão um caráter verdadeiramente filosófico, como defini-la univocamente, sem fugir do gigantesco problema de termos de dar conta da enorme diversidade de sistemas que a compõem? Filosofia, então, seria o conjunto das perspectivas, contraditórias ou não, de cada um dos sistemas que a constituem, sendo, a sua unidade, encontrada em sua própria diversidade? Ou, como disse o filósofo Heidegger, esta questão tangencia um tema vasto e indeterminado, correndo-se o risco de, por isto, desviarmos do foco do problema? Uma definição com pretensões de universalidade é, antes de tudo, impraticável, dada a própria natureza da Filosofia, sem nem mesmo levarmos em conta a complexidade de sua história que perfaz, nada mais nada menos, do que um total de vinte e seis séculos de existência. Mas, por razões práticas, e com o devido desconto, diante de uma inevitável imprecisão, podemos afirmar que ela difere das demais ciências pois busca oferecer uma imagem da realidade e do pensamento humano, nos limites do que possa ser admitido como possível, num sentido universal. Sabemos, no entanto, que, aos olhos daqueles que não são filósofos, muitas vezes ela não acrescentaria conteúdos reais às ciências especiais; tendendo, conforme esta maneira equivocada de avaliar, a parecer desvanecer-se, chegando mesmo a não deixar o menor vestígio. E se esta falsa impressão é causada, deve-se ao fato de que a verdadeira Filosofia não se submete a ideologia alguma e, por isso mesmo, ela incorre no perigo de ser ingenuamente posta à margem no mundo dos homens e dos seus “importantes” negócios; quando deveria, isto sim, possuir o status da primazia na aventura do conhecimento, para o bem das ciências, da natureza e da própria humanidade. Conseqüentemente, podemos afirmar que a Filosofia é um clarão de lucidez que se faz presente nas trevas do entendimento humano, desde que haja o devido consentimento para que a Razão fale e a compreensão se manifeste; como uma semente que, tendo sido plantada em solo fértil e, estabelecidas todas as condições necessárias, haverá de brotar, no devido tempo, na forma daquele protótipo do que um dia transformar-se-á em uma frondosa árvore que dará frutos, os mais saborosos, e flores, as mais belas – das quais, por seu turno, sairão sementes que, lançadas pelo vento mediante a palavra falada ou escrita, repousarão em outros solos, que, em sendo férteis, darão continuidade a um ciclo que espelha certa vocação à independência e, até mesmo, a uma ousada autonomia, muitas vezes tão desacreditada.
Para que possamos responder, com segurança, à questão temática deste trabalho, julgamos essencial o lançarmos luz sobre a seguinte questão: o que é a Filosofia e o que é ser filósofo? Tendo esta questão um caráter verdadeiramente filosófico, como defini-la univocamente, sem fugir do gigantesco problema de termos de dar conta da enorme diversidade de sistemas que a compõem? Filosofia, então, seria o conjunto das perspectivas, contraditórias ou não, de cada um dos sistemas que a constituem, sendo, a sua unidade, encontrada em sua própria diversidade? Ou, como disse o filósofo Heidegger, esta questão tangencia um tema vasto e indeterminado, correndo-se o risco de, por isto, desviarmos do foco do problema? Uma definição com pretensões de universalidade é, antes de tudo, impraticável, dada a própria natureza da Filosofia, sem nem mesmo levarmos em conta a complexidade de sua história que perfaz, nada mais nada menos, do que um total de vinte e seis séculos de existência. Mas, por razões práticas, e com o devido desconto, diante de uma inevitável imprecisão, podemos afirmar que ela difere das demais ciências pois busca oferecer uma imagem da realidade e do pensamento humano, nos limites do que possa ser admitido como possível, num sentido universal. Sabemos, no entanto, que, aos olhos daqueles que não são filósofos, muitas vezes ela não acrescentaria conteúdos reais às ciências especiais; tendendo, conforme esta maneira equivocada de avaliar, a parecer desvanecer-se, chegando mesmo a não deixar o menor vestígio. E se esta falsa impressão é causada, deve-se ao fato de que a verdadeira Filosofia não se submete a ideologia alguma e, por isso mesmo, ela incorre no perigo de ser ingenuamente posta à margem no mundo dos homens e dos seus “importantes” negócios; quando deveria, isto sim, possuir o status da primazia na aventura do conhecimento, para o bem das ciências, da natureza e da própria humanidade. Conseqüentemente, podemos afirmar que a Filosofia é um clarão de lucidez que se faz presente nas trevas do entendimento humano, desde que haja o devido consentimento para que a Razão fale e a compreensão se manifeste; como uma semente que, tendo sido plantada em solo fértil e, estabelecidas todas as condições necessárias, haverá de brotar, no devido tempo, na forma daquele protótipo do que um dia transformar-se-á em uma frondosa árvore que dará frutos, os mais saborosos, e flores, as mais belas – das quais, por seu turno, sairão sementes que, lançadas pelo vento mediante a palavra falada ou escrita, repousarão em outros solos, que, em sendo férteis, darão continuidade a um ciclo que espelha certa vocação à independência e, até mesmo, a uma ousada autonomia, muitas vezes tão desacreditada.
Para ensaiarmos uma resposta à segunda parte da questão lançada inicialmente, filósofo seria todo aquele que busca a apreensão do saber provável e, no entanto, insuspeito, diante da espantosa tensão do repensar as tantas possibilidades do particular sabido. Pois, se o filosofar pressupõe uma certa vocação para um silêncio dinâmico, acolhedor de um irrequieto perscrutar, é preciso, para tanto, uma postura radical, rigorosa e filosofante que possibilite o empreender um exercício autenticamente filosófico, numa experiência que conjugue, ao mesmo tempo, liberdade, verdade e autonomia; permitindo, por seu turno, a consumação do amor pela sabedoria.
Então, no Brasil (onde o que há de consenso confunde-se com o saber da existência de uma inconciliável dualidade de militantes partidários, uns sendo favoráveis e os outros, não, quanto à possibilidade de existirem, nestas terras, autênticos filósofos – fenômeno, aliás, muito próprio da natureza mesma da Filosofia), como saber se existem ou não filósofos? Comparando o essencial do que foi dito acima, quanto ao fato de que a filosofia deve estar sempre situada no centro dos interesses das personalidades envolvidas com a amizade à sabedoria, em terras brasileiras? Ou, então, enumerando-se as características fundamentais e imprescindíveis existentes em todo aquele, ou aquela, que possa ser indubitável, irremediável e irresistivelmente atraído pelo chamamento da própria filosofia?
Assim, no bojo de nossa pesquisa, encontramos no endereço eletrônico http://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm, um texto (que julgamos conveniente comentar aqui) da autoria de Julio Cabrera, intitulado “Filosofia no Brasil (Filosofia sem filósofos?)”, no qual é feita uma defesa quanto à tese de que há filósofos no Brasil, mas, ao mesmo tempo, intrinsecamente, revela-nos a razão pela qual haja quem não concorde que existam filósofos no Brasil, num amálgama idiossincrático próprio de tão intrigante problema, cheio de amarrações norteadoras quanto ao sentido e à direção a serem tomados.
Cabrera diz que “o ‘caso brasileiro’ é realmente muito peculiar”.[1] Apesar de ele discordar de que haja filosofia brasileira, está convicto de que existe filosofia no Brasil (mesmo enquanto “uma comunidade de estudiosos de textos, de bons comentadores e conhecedores de filosofia clássica e moderna, capazes de gerar papers e livros que possam concorrer dignamente no plano internacional”, sendo esta, para muitos, atualmente, a única possível contribuição brasileira à filosofia, muito embora seja difícil compreender como essas atividades eruditas possam levar a efeito um pensamento brasileiro original). Faz-se necessário para isto, no entanto, “criar-se condições sociais, culturais e mesmo institucionais que favoreçam um pensamento original e criador, devendo-se lutar contra o colonialismo ainda presente nas mentes dos pensadores brasileiros, que os leva a copiar moldes externos em lugar de pensar por si mesmos”.[2] Assim, para aqueles que não acreditam na possibilidade de uma filosofia brasileira – os ‘universalistas’, “devem-se preparar gerações de eruditos e comentadores, criando-se então uma comunidade de contribuidores à filosofia internacional”;[3] já para os que acreditam – os independentistas, “deve-se criar uma ‘massa crítica’ (para usar o jargão) capaz de ‘sacudir’ as estruturas da dependência cultural e preparar as condições para um pensamento independente”.[4] Mas, seria o filósofo um mero produto de um ambiente sócio-político-cultural favorável? Claro que não!
Com efeito, o ato de filosofar é singular, independentemente de sua tendência: pode ser, por exemplo, um pensamento fortemente individual (Kierkegaard), social (Marx) ou erudito (Husserl, Heidegger), o que acaba por se constituir em sua própria marca. O filosofar surge da vida do filósofo, de seus tormentos pessoais e de suas perplexidades intelectuais. Ser filósofo implica em não poder evitar de falar e escrever acerca do objeto de reflexão numa perspectiva singularmente própria. Não se começa a filosofar porque as condições sócio-culturais do país o tornem possível, mas dada uma inevitável vontade de explicar o mundo de uma maneira pessoal, refletindo, conseqüentemente, o seu contexto sócio-cultural. Não havia, por exemplo, um particular "ambiente filosófico" ou uma "filosofia dinamarquesa" que pudesse prever o surgimento de Kierkegaard. Mas, torturado pela influência do pai, transtornado por seu aspecto físico desconsolador e sacudido por questões de ordem religiosa, estética, etc., é que ele expõe sua visão de mundo em seus livros e discursos.
No Brasil, como em tantos outros paises, tem-se a idéia de que é preciso um longo "preparo", uma longa formação por etapas, tais como adquirir material de estudo (boas traduções), elaborar uma ‘filosofia’ comentada e erudita, para, enfim, poder ser gerado um pensamento próprio. Mas, para filosofar não é preciso nenhum "preparo" prévio, desde que não temamos correr o risco de cairmos no ridículo e na mediocridade. E Júlio Cabrera, hereticamente, ousa dizer que “um filósofo (...) não precisa nem mesmo de bibliotecas nem de ‘boas traduções’ nem de um ‘ambiente propício’ nem de bolsas de estudos indefinidamente renováveis. Um filósofo se consolida também em oposição a estas falências todas. Se a falta dessas condições poderá colocar certas particulares dificuldades ao filosofar de um filósofo (...), a presença de tais condições poderá gerar outras dificuldades, talvez piores ainda”.[5]
Portanto, a tese de Cabrera é de que, potencialmente, já existem filósofos brasileiros, pois como pode um povo existir sem filosofia? Deficientes são os mecanismos institucionais dominantes de informação que permitam visualizá-los. Alterando-se estas condições, aparecerão os nossos filósofos, atualmente, quase totalmente desconhecidos, marginalizados, muitas vezes ridicularizados e desencorajados. E, ao contrário do que se costuma pensar, aqueles que são destacados pela media, há muito tempo renunciaram à filosofia enquanto atividade pensante apropriativa e criadora, afundando o pensamento na prática competente do comentário autorizado. Muito embora condições sócio-culturais não devam servir de explicação para o surgimento de um pensamento filosófico criador e próprio, elas poderão, isto sim, contribuir para que este pensamento não se manifeste. À época de Kierkegaard, por exemplo, a Dinamarca não fez nada para fazê-lo surgir, mas também não fez nada para impedi-lo.
E, assim, paralelamente à conclusão do nosso comentário ao oportuno texto de Júlio Cabrera, no âmbito desta pesquisa sobre se existe ou não filósofo brasileiro, somos naturalmente levados a constatar que, no Brasil, infelizmente, o aborto dos candidatos a autênticos e originais filósofos é patente, graças justamente a uma institucionalização do distanciamento mal disfarçado entre a philía e a Sophia através de um olhar com expressão de rigor e sisudez, arrebatadamente voltado para aquilo que se convencionou considerar como límpido, original e insubstituível filosofar d’além mar.
2 – Resposta Prévia.
Saber é o que mais ansiamos, como seres humanos. Quem ou o que somos nós? Qual a nossa origem primeira, enquanto espécie? Por que tudo o que existe é como se nos configura ao nosso derredor? Ou não seria tudo o que existe necessariamente como se nos configura ao nosso derredor? E, em sendo esta suspeita corroborada por uma indubitável e imorredoura intuição a nos acompanhar desde as mais longínquas e primevas reflexões feitas pelos nossos ancestrais, na impenetrável obscuridade da noite dos tempos, cristalizadas num passado irremediavelmente perdido em seu aspecto cronológico, porém, meticulosa e cuidadosamente conservadas no cerne da memória somática intracelular, bem como na forma de herança cultural através da heterogeneidade de nossas instituições, costumes e tradições, as mais diversas; como alcançarmos uma compreensão mínima o suficiente para nos consolar e expurgar a angústia sempre presente de nos constatarmos pequenos e não nos satisfazermos jamais com as eventuais respostas encontradas, como se aquilo que de fato buscássemos não fosse o sentido genuíno, legítimo e definitivo para as nossas cruciais indagações; mais, muito mais, o preservarmos, através dos nossos questionamentos, um não sabido ‘quê’ de algo cuja natureza nos impulsiona ao ‘querer’, sem que nunca cheguemos, verdadeiramente, a saber?
2 – Resposta Prévia.
Saber é o que mais ansiamos, como seres humanos. Quem ou o que somos nós? Qual a nossa origem primeira, enquanto espécie? Por que tudo o que existe é como se nos configura ao nosso derredor? Ou não seria tudo o que existe necessariamente como se nos configura ao nosso derredor? E, em sendo esta suspeita corroborada por uma indubitável e imorredoura intuição a nos acompanhar desde as mais longínquas e primevas reflexões feitas pelos nossos ancestrais, na impenetrável obscuridade da noite dos tempos, cristalizadas num passado irremediavelmente perdido em seu aspecto cronológico, porém, meticulosa e cuidadosamente conservadas no cerne da memória somática intracelular, bem como na forma de herança cultural através da heterogeneidade de nossas instituições, costumes e tradições, as mais diversas; como alcançarmos uma compreensão mínima o suficiente para nos consolar e expurgar a angústia sempre presente de nos constatarmos pequenos e não nos satisfazermos jamais com as eventuais respostas encontradas, como se aquilo que de fato buscássemos não fosse o sentido genuíno, legítimo e definitivo para as nossas cruciais indagações; mais, muito mais, o preservarmos, através dos nossos questionamentos, um não sabido ‘quê’ de algo cuja natureza nos impulsiona ao ‘querer’, sem que nunca cheguemos, verdadeiramente, a saber?
Entrementes, no transcorrer da caminhada humana, passados milênios de transmissão, preservação e manutenção do acúmulo de informações, de conhecimentos e de crenças, as mais diversas, sob a forma de inumeráveis e provisórias respostas (embora todas reivindiquem o perene estatuto de definitibilidade – a constituir o grosso e precioso caldo formador da cultura humana, geratriz daquilo que denominamos de Mito), surge, na Antiga Grécia, sob o influxo de um forte clarão de lucidez, como nunca vista até então, uma vontade nova de consubstanciar a Razão como o parâmetro único para a reflexão, a revisão, a legitimação ou, até mesmo, a extirpação dos obsoletos e insatisfatórios paradigmas existentes, com a sua conseqüente, necessária e corajosa substituição por algo novo e satisfatório, ao menos provisoriamente. Tal revolução do Pensamento Humano, que redundou no surgimento dos Sete Sábios e nos seus feitos memoráveis e imorredouros, viria a gerar, por sua vez, nas colônias gregas da Ásia Menor, particularmente a Jônia, por volta da passagem do século VII para o VI a.C., uma nova e inusitada maneira de pensar chamada Filosofia, cuja etimologia remonta às palavras philía (amizade, amor) e sophia (sabedoria), instituindo-se, a partir de então, um pacto de autenticidade com a própria natureza humana, abdicando-se ao status de sophós (sábio), em reconhecimento à inferior condição dos humanos diante dos deuses, que a tudo sabem, pois são imortais. Ao homem, no máximo, são dados a grata oportunidade e o digno direito de se tornar um amigo do saber; tendo sido, ademais, atribuída a Pitágoras a autoria da nova palavra, referindo-se a si próprio como um amante da Sabedoria e não um Sábio.
Então, pelas razões subjacentes à exposição acima, concernente a um breve panorama da história da filosofia, a partir da história da própria humanidade, somos levados a ser partidários daqueles que, como o Prof. Júlio Cabrera, citado na primeira parte deste trabalho, sustentam que existem filósofos no Brasil, entre os quais podemos considerar dois deles, a respeito dos quais abordaremos mais adiante, em nossa justificação teórica à problemática circunscrita no âmbito deste trabalho: Newton Carneiro Affonso da Costa e Paulo Freire . Pois, o autêntico filosofar pressupõe, fundamentalmente, a existência de uma prévia tendência pessoal ao perscrutar, acrescida a uma experiência de vida que conjugue ao mesmo tempo, liberdade, verdade e autonomia, permitindo, por seu turno, a consumação do amor pela sabedoria numa postura radical, rigorosa e, conseqüentemente, filosofante, qualquer que seja a sua época e nacionalidade.
3 – Justificação Teórica.
Sócrates entendia que o mais importante, no âmbito da Filosofia, é a contínua e ininterrupta busca pela Verdade; e, de acordo com Platão e Aristóteles, ela nasce da admiração e do espanto ou estranhamento; sendo que, para este último, a filosofia conhece por conhecer, sendo a mais elevada e a mais inútil de todas as ciências.
Para Karl Jaspers,[6] três atitudes básicas devem se fazer presentes, no filósofo, para que este possa vir a filosofar. Primeiramente, há de haver, como impulso inicial de todo filosofar, a admiração consoante já indicado por Platão e Aristóteles; momento em que se toma consciência da própria ignorância e, mediante um processo interrogativo, atinge-se a supressão da ignorância, alcançando-se o conhecimento. Em segundo lugar, a dúvida, através da qual, coma supressão provisória de modalidades do conhecimento, a verdade é atingida. Em terceiro lugar, está o sentimento de insatisfação moral, com o questionamento do sentido da própria existência. Então, temos em todo filósofo, em maior ou menor grau, uma fina sintonia com a realidade, através da admiração; um espírito crítico, representado pela dúvida; e, em função da inquietação moral, uma fundamentação ética.
Já para Armijos Palácios, no que concerne ao começo do filosofar,
“A questão que cada um de nós deve pôr para si mesmo é esta: eu quero saber ou eu quero fazer filosofia? (...) A grande oportunidade perdida na academia é justamente esta: por pretender ‘repassar’ conhecimentos filosóficos aos alunos, acaba por afasta-los da possibilidade de fazer. Por quê? Primeiro, porque não se repassa em filosofia, conhecimentos. No máximo se repassam informações. Segundo, explicam essas informações a gênese dos problemas que motivaram as diversas teorias filosóficas? Na maioria dos casos não”.[7]
Em corroboração ao seu pensamento, ousamos acrescentar que são o intercâmbio e a convulsão os elementos formadores da fraternidade dos filósofos nas mais variadas épocas e lugares. Isto porque, é a partir do intercâmbio entre todo aquele que mantenha contato com a Filosofia e a filosofia em potencial residente em seu interior, que se produz uma revolução convulsiva traduzida em novos paradigmas e inusitados re-questionamentos sobre temas pré-estabelecidos, cristalizados numa aparente obviedade, mediante uma baixa de guarda da luz da razão diante do pseudo-entendimento do senso comum. E tal intercâmbio acontece através do diálogo entre o aspirante a filósofo e os filósofos autorizados pela tradição, numa cumplicidade filosofante que é mais do que um mero aprendizado, mas uma reverberação de parte dos inúmeros matizes da Verdade manifesta nas incontáveis expressões fenomenológicas; pois, simplesmente, não é humanamente possível dar conta de vinte e seis séculos de filosofia, até porque, esta nunca fora a intenção derradeira. Por sua vez, a aludida convulsão redunda de uma perturbação diante do estabelecido que acontece em um ou noutro momento na caminhada do dialogar com a tradição, possibilitando às perspectivas vigentes (perigosamente passíveis de se tornarem frias e dogmáticas imagens conceituais, quando um dia rebentaram como calorosas difrações de um saber – fruto de um determinado construto cultural – incrustado no ardoroso prisma da experiência humana), as necessárias guinadas anunciadoras de novas atividades do Pensamento.
Assim, como já dito na nossa resposta prévia à questão tratada neste trabalho, dentre os tantos que podemos considerar como filósofos brasileiros, podem ser evidenciados os nomes dos senhores Newton Carneiro Affonso da Costa e Paulo Freire. O primeiro, em razão de sua contribuição internacionalmente reconhecida e prestigiada com aquela que é uma das partes mais fundamentais da Filosofia – a Lógica, através da criação da lógica paraconsciente (vide a resposta de Miguel Reale à questão “quais são, em sua opinião os filósofos brasileiros mais importantes?”, no livro Conversas com filósofos brasileiros).[8]
O segundo, como curiosa demonstração, aliás, de que também não é essencialmente necessário, apesar de reconhecermos ser um facilitador valiosíssimo, que a formação acadêmica de um determinado pensador ou filósofo seja em Filosofia, temos o exemplo da figura de Paulo Freire que, Pedagogo por formação, é ovacionado por grandes centros de estudos filosóficos europeus pela sua contribuição original em construtivismo na educação, numa perspectiva humanística. Sua contribuição, como pensador do processo educacional, parte do princípio de que, para ser educado, o homem tem que ser visto como sujeito e não como objeto. Enfatizando que a educação tanto pode alienar (massificação) como conscientizar (humanização). Na primeira perspectiva, tem-se o educando como objeto que a ele se impõe um conteúdo a ser memorizado sem qualquer possibilidade de criticidade. A esta forma de educar, Paulo Freire denomina “Educação Bancária”, na qual o educador tão-somente deposita o conhecimento no educando que, no momento da avaliação, devolve-lhe sem qualquer intervenção pessoal. Na segunda, denominada “Educação Humanística”, observa o educando como um sujeito e propõe o patrocínio de um diálogo pertinente às transformações típicas da evolução do ser. Assim, contribui para “a inserção crítica do homem no processo de democratização social, resultando na suspensão do poder desumano de opressão das classes muito ricas sobre as muito pobres”.[9] Neste sentido, percebe “o desenvolvimento do país, diretamente ligado a um projeto autônomo que envolve não apenas questões técnicas ou de política puramente econômica ou de reformas de estruturas, mas guardando em si, também, a passagem de uma para outra mentalidade”.[10] Com isto, Paulo Freire propôs uma educação que levasse o homem à superação da consciência ingênua, substituindo-a por uma outra crítica, a partir de um processo de alfabetização que não ‘coisificasse’ nem ‘aquietasse’ o homem, mas, ao contrário, de uma educação que levasse o homem à procura da verdade em comum, ‘ouvindo’, ‘perguntando’, ‘investigando’. Para Paulo Freire, só podemos “compreender uma educação que fizesse do homem um ser cada vez mais consciente de sua transitividade, que deve ser usada tanto quanto possível criticamente, ou com acento cada vez maior de racionalidade”.[11] Então, o aspecto mais importante de nosso agir educativo é a vinculação da palavra com a vida, objetivando desenvolver no homem a criticidade de sua consciência para que, finalmente o discurso não seja oco e “revele, antes de tudo, uma atitude mental”[12] que possibilite a verdadeira autonomia do ser.
Com tudo isso, no entanto, entendemos que mais do que valorizar a flexão ou a reverência diante dos Grandes através dos infindáveis e muitas vezes estéreis comentários de suas aclamadas obras, dever-se-ia cultivar mais o incentivo ao exercício da livre re-flexão com uma indispensável deferência perante os próprios pensamentos e inquietações pessoais, como única forma de alcançar certa philía pela Sophia, sem a menor pretensão, porém, pelo reconhecimento do status de sophós, pois o que se deve buscar com a atividade filosófica é, simplesmente, e em conformidade com o velho Sócrates, o autêntico testemunho da Verdade.
4 – BIBLIOGRAFIA:
BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar – o pensamento filosófico em bases existenciais. 3. Ed. Porto Alegre: Editora Globo, 1976.
CABRERA, Julio. Filosofia no Brasil – filosofia sem filósofos? Brasília, DF: UNB, 2006. Disponível em http://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm. Acesso em: 10 fev. 2006, às 19:23:35.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 15. Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1984.
HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a filosofia? Trad. Ernildo Stein, São Paulo, Abril Cultural, 1991.
NOBRE, Marcos e REGO, José Marcio. Conversas com filósofos brasileiros. São Paulo: Editora 34 Ltda., 2000.
PALÁCIOS, Gonçalo Armijos. De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. Goiânia: Editora UFG, 1998.
[1] CABRERA, Julio. Filosofia no Brasil – Filosofia sem filósofos? Brasília, DF: UNB, 2006. Disponível em http://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm. Acesso em: 10 fev. 2006, às 19:23:35.
[2] CABRERA, Julio. Filosofia no Brasil – Filosofia sem filósofos? Brasília, DF: UNB, 2006. Disponível em http://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm. Acesso em: 10 fev. 2006, às 19:23:35.
[3] CABRERA, Julio. Filosofia no Brasil – Filosofia sem filósofos? Brasília, DF: UNB, 2006. Disponível em ttp://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm. Acesso em: 10 fev. 2006, às 19:23:35.
[4] CABRERA, Julio. Filosofia no Brasil – Filosofia sem filósofos? Brasília, DF: UNB, 2006. Disponível em http://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm. Acesso em: 10 fev. 2006, às 19:23:35.
[5] CABRERA, Julio. Filosofia no Brasil – Filosofia sem filósofos? Brasília, DF: UNB, 2006. Disponível em http://www.unb.br/ih/fil/cabrera/portugues/fbrasil.htm. Acesso em: 10 fev. 2006, às 19:23:35.
[6] In: BORNHEIM, Gerd A. Introdução ao filosofar – o pensamento filosófico em bases existenciais. 3 Ed. Porto Alegre: Editora Globo, 1976, p. 10-11.
[7] PALÁCIOS, Gonçalo Armijos. De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio. Goiânia: Editora UFG, 1998, p. 29.
[8] NOBRE, Marcos e REGO, José Marcio. Conversas com filósofos brasileiros. São Paulo: Editora 34 Ltda., 2000, p. 22.
[9] FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade.15 Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1984, p. 87.
[10] Ibidem, p. 87.
[11] FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade.15 Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1984, p. 90.
[12] Ibidem, p. 95.
-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-
Na montagem da imagem acima, usamos:
A Bandeira do Brasil, baixada do site http://jornale.com.br/wicca/?p=3934
O Pensador (Rodin), retirado de http://aiachismo.com/page/2/
Nenhum comentário:
Postar um comentário