Em sua monumental obra, Kant nos faz compreender que, além da sensibilidade, possuímos uma segunda fonte de conhecimento, qual seja: o intelecto. Através da sensibilidade, os objetos nos são dados, enquanto que, por intermédio do intelecto, eles são pensados.
À sensibilidade, Kant nos aponta a estética como a detentora dos domínios de suas leis. Quanto ao conhecimento das leis e operações do intelecto, ou do pensamento em geral, é-nos proposta por ele a lógica.
Dessa forma, nem os conceitos, desprovidos de uma correspondente intuição, nem a própria intuição, destituída de conceitos, possibilitar-nos-iam, unilateralmente, o conhecimento. Mas ambos (intuição e conceitos) é que constituem efetivamente o nosso conhecimento.
Sendo uma antípoda do pensamento de Hume, o conceito de lógica de Immanuel Kant estabelece que absolutamente tudo o que há na natureza acontece segundo regras, mesmo que nem sempre delas tenhamos conhecimento.
Desde o menor dos deslocamentos de uma gota d’água, na qual detectamos a imprescindível ação da gravidade, até o movimento implícito em todo o reino animal, observamos que toda a natureza não é nada mais do que uma estonteante e regular conexão de variegadíssimos fenômenos atrelados a incontestes regras, quer as conheçamos ou nem ao menos o suspeitemos.
Daí Kant deduz que ao exercermos todos os nossos poderes, mesmo que, de início, não tenhamos disto a menor indicação, agimos ou operacionalizamos segundo certas regras, e somente aos poucos vamos nos familiarizando com elas, de tal sorte que passamos até a ter dificuldade de as abstrair. Como o que ocorre quando dizemos não conhecer regras gramaticais, apesar de que sabemos perfeitamente que para falarmos a língua que falamos é indubitável que estejamos nos servindo, paradoxal e ironicamente, de regras gramaticais.
Mais particularmente, o poder do nosso entendimento é a fonte e a faculdade de pensarmos as regras em geral, submetendo as representações intuídas pelas operações da sensibilidade ao crivo de suas concatenações reguladoras.
Aprofundando mais na natureza das regras, das quais o próprio entendimento procede, Kant nos diz que elas são ou necessárias ou contingentes. Aliás, o uso em geral do entendimento não seria possível se não fossem as regras necessárias, bem como o uso específico do entendimento (por exemplo, no caso da matemática, da física ou da moral) também não seria possível sem as regras contingentes ou particulares.
As regras necessárias nos proporcionam a possibilidade de pensar dos mais variados modos. Sendo discernidas “a priori”, ou seja, independentemente de toda experiência, estão relacionadas, assim, com a forma (estrutura) e não com a matéria (objeto) do pensamento. Em decorrência disto, vislumbra-se na ciência, ou no conhecimento, das leis necessárias do entendimento e da razão em geral, a precisa adequação conceitual da própria lógica.
Portanto, a lógica é o fundamento para todas as demais ciências. Não como um órganon das ciências (enquanto uma maneira de levar a cabo um certo conhecimento). A lógica é, sim, uma arte geral da razão. É um cânon, ou uma ciência das leis necessárias do pensamento.
Assim como a moral está situada na instância do “dever ser”, a lógica se debruça sobre o “dever pensar”, não a respeito de como é e pensa o entendimento, mas como se deve proceder, ao pensar, encaminhando-nos, com isto, ao uso correto, ou concordante, do entendimento.
Sabendo agora o que é a lógica, podemos divisar suas propriedades essenciais. E logo discernimos que ela não está direcionada para “o que” é o conhecido pelo entendimento, nem para “o quanto” é possível se conhecer ou “onde” se situam os limites do conhecimento. Mas apenas “como é que o conhecimento há de se conhecer a si mesmo”[1]. Como ciência racional, a lógica, segundo a forma e a matéria, é uma doutrina ou uma teoria demonstrada, ocupada somente com as leis universais e necessárias do pensamento em geral, aprioristicamente. É, assim, um cânon que serve “a posteriori” para a crítica, como no âmbito prático das normas estéticas, na condição de um princípio da avaliação de todo o uso do entendimento em geral.
Oportunamente, percebe-se, sem a menor dificuldade, que, ao contrário de David Hume, para Kant, somente o que vale “a priori”, vale necessariamente, e o que vale “a posteriori”, vale contingentemente.
Isso nos faz apreender que a compreensão kantiana da lógica em geral pressupõe a noção de que o nosso conhecimento provém de duas fontes: a representatividade das impressões, como intuições (no sentido empírico), e a espontaneidade dos conceitos (no sentido puro), como quando somos capazes de assimilar conceitualmente um objeto através da representatividade empírica apontada acima.
Através da via empírica, é-nos “dado” o objeto e, através da via pura, ele é “pensado” (como simples determinação do espírito).
Então, de intuições e de conceitos é constituído todo o nosso conhecimento. A sensibilidade é o que se pode chamar a receptividade do espírito. Por sua vez, o entendimento é a capacidade de produzir representação ou espontaneidade do conhecimento. Porém, o entendimento, por si mesmo, nada pode intuir e os sentidos, por eles próprios, não podem pensar nada. Somente pela sua reunião é que se pode obter conhecimento. Mas, trata-se aí de uma reunião sem fazer confundir as suas participações, separando-os e os distinguindo com cuidado: estética, enquanto ciência das regras da sensibilidade em geral; e lógica, como ciência das regras em geral do entendimento.
Ademais, a lógica pode ser considerada de duas maneiras distintas: como do uso geral ou do uso particular do entendimento.
Podemos dizer que a lógica é do uso geral quando contém as regras absolutamente necessárias do pensamento. E é correto afirmar que é do uso particular quando contém as regras para pensar com retidão sobre determinada espécie de objetos. A primeira é a lógica elementar e a segunda é o órganon das ciências, quaisquer que sejam estas.
Assim, a lógica é ou “pura” (abstraindo-se toda e qualquer condição empírica) ou “aplicada” (como nos diz Kant: “quando se ocupa das regras do uso do entendimento nas condições empíricas subjetivas que a psicologia nos ensina”[2]).
Por fim, para Kant, a lógica é uma ciência afastada tanto da ontologia quanto da psicologia, parecendo adotar tão-somente um aspecto formal, não como “envoltura”, mas como algo que está intrínseco ao seu conteúdo. Ou seja: uma consciência mais “possui” pensamentos do que “pensa” a realidade. Sendo, pois, a lógica kantiana, uma lógica transcendental (ou: “um princípio a partir do qual se pode entender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos ‘a priori’”[3]), e possuindo a mesma forma da lógica tradicional, difere justamente na medida em que é uma lógica do uso do entendimento, em suas mais diversas operações, como faculdade de produzir conceitos a intermediar, estrategicamente, as inumeráveis operações da faculdade de receber impressões (a sensibilidade) com as operações incalculáveis da faculdade de produzir idéias (a razão).
À sensibilidade, Kant nos aponta a estética como a detentora dos domínios de suas leis. Quanto ao conhecimento das leis e operações do intelecto, ou do pensamento em geral, é-nos proposta por ele a lógica.
Dessa forma, nem os conceitos, desprovidos de uma correspondente intuição, nem a própria intuição, destituída de conceitos, possibilitar-nos-iam, unilateralmente, o conhecimento. Mas ambos (intuição e conceitos) é que constituem efetivamente o nosso conhecimento.
Sendo uma antípoda do pensamento de Hume, o conceito de lógica de Immanuel Kant estabelece que absolutamente tudo o que há na natureza acontece segundo regras, mesmo que nem sempre delas tenhamos conhecimento.
Desde o menor dos deslocamentos de uma gota d’água, na qual detectamos a imprescindível ação da gravidade, até o movimento implícito em todo o reino animal, observamos que toda a natureza não é nada mais do que uma estonteante e regular conexão de variegadíssimos fenômenos atrelados a incontestes regras, quer as conheçamos ou nem ao menos o suspeitemos.
Daí Kant deduz que ao exercermos todos os nossos poderes, mesmo que, de início, não tenhamos disto a menor indicação, agimos ou operacionalizamos segundo certas regras, e somente aos poucos vamos nos familiarizando com elas, de tal sorte que passamos até a ter dificuldade de as abstrair. Como o que ocorre quando dizemos não conhecer regras gramaticais, apesar de que sabemos perfeitamente que para falarmos a língua que falamos é indubitável que estejamos nos servindo, paradoxal e ironicamente, de regras gramaticais.
Mais particularmente, o poder do nosso entendimento é a fonte e a faculdade de pensarmos as regras em geral, submetendo as representações intuídas pelas operações da sensibilidade ao crivo de suas concatenações reguladoras.
Aprofundando mais na natureza das regras, das quais o próprio entendimento procede, Kant nos diz que elas são ou necessárias ou contingentes. Aliás, o uso em geral do entendimento não seria possível se não fossem as regras necessárias, bem como o uso específico do entendimento (por exemplo, no caso da matemática, da física ou da moral) também não seria possível sem as regras contingentes ou particulares.
As regras necessárias nos proporcionam a possibilidade de pensar dos mais variados modos. Sendo discernidas “a priori”, ou seja, independentemente de toda experiência, estão relacionadas, assim, com a forma (estrutura) e não com a matéria (objeto) do pensamento. Em decorrência disto, vislumbra-se na ciência, ou no conhecimento, das leis necessárias do entendimento e da razão em geral, a precisa adequação conceitual da própria lógica.
Portanto, a lógica é o fundamento para todas as demais ciências. Não como um órganon das ciências (enquanto uma maneira de levar a cabo um certo conhecimento). A lógica é, sim, uma arte geral da razão. É um cânon, ou uma ciência das leis necessárias do pensamento.
Assim como a moral está situada na instância do “dever ser”, a lógica se debruça sobre o “dever pensar”, não a respeito de como é e pensa o entendimento, mas como se deve proceder, ao pensar, encaminhando-nos, com isto, ao uso correto, ou concordante, do entendimento.
Sabendo agora o que é a lógica, podemos divisar suas propriedades essenciais. E logo discernimos que ela não está direcionada para “o que” é o conhecido pelo entendimento, nem para “o quanto” é possível se conhecer ou “onde” se situam os limites do conhecimento. Mas apenas “como é que o conhecimento há de se conhecer a si mesmo”[1]. Como ciência racional, a lógica, segundo a forma e a matéria, é uma doutrina ou uma teoria demonstrada, ocupada somente com as leis universais e necessárias do pensamento em geral, aprioristicamente. É, assim, um cânon que serve “a posteriori” para a crítica, como no âmbito prático das normas estéticas, na condição de um princípio da avaliação de todo o uso do entendimento em geral.
Oportunamente, percebe-se, sem a menor dificuldade, que, ao contrário de David Hume, para Kant, somente o que vale “a priori”, vale necessariamente, e o que vale “a posteriori”, vale contingentemente.
Isso nos faz apreender que a compreensão kantiana da lógica em geral pressupõe a noção de que o nosso conhecimento provém de duas fontes: a representatividade das impressões, como intuições (no sentido empírico), e a espontaneidade dos conceitos (no sentido puro), como quando somos capazes de assimilar conceitualmente um objeto através da representatividade empírica apontada acima.
Através da via empírica, é-nos “dado” o objeto e, através da via pura, ele é “pensado” (como simples determinação do espírito).
Então, de intuições e de conceitos é constituído todo o nosso conhecimento. A sensibilidade é o que se pode chamar a receptividade do espírito. Por sua vez, o entendimento é a capacidade de produzir representação ou espontaneidade do conhecimento. Porém, o entendimento, por si mesmo, nada pode intuir e os sentidos, por eles próprios, não podem pensar nada. Somente pela sua reunião é que se pode obter conhecimento. Mas, trata-se aí de uma reunião sem fazer confundir as suas participações, separando-os e os distinguindo com cuidado: estética, enquanto ciência das regras da sensibilidade em geral; e lógica, como ciência das regras em geral do entendimento.
Ademais, a lógica pode ser considerada de duas maneiras distintas: como do uso geral ou do uso particular do entendimento.
Podemos dizer que a lógica é do uso geral quando contém as regras absolutamente necessárias do pensamento. E é correto afirmar que é do uso particular quando contém as regras para pensar com retidão sobre determinada espécie de objetos. A primeira é a lógica elementar e a segunda é o órganon das ciências, quaisquer que sejam estas.
Assim, a lógica é ou “pura” (abstraindo-se toda e qualquer condição empírica) ou “aplicada” (como nos diz Kant: “quando se ocupa das regras do uso do entendimento nas condições empíricas subjetivas que a psicologia nos ensina”[2]).
Por fim, para Kant, a lógica é uma ciência afastada tanto da ontologia quanto da psicologia, parecendo adotar tão-somente um aspecto formal, não como “envoltura”, mas como algo que está intrínseco ao seu conteúdo. Ou seja: uma consciência mais “possui” pensamentos do que “pensa” a realidade. Sendo, pois, a lógica kantiana, uma lógica transcendental (ou: “um princípio a partir do qual se pode entender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos ‘a priori’”[3]), e possuindo a mesma forma da lógica tradicional, difere justamente na medida em que é uma lógica do uso do entendimento, em suas mais diversas operações, como faculdade de produzir conceitos a intermediar, estrategicamente, as inumeráveis operações da faculdade de receber impressões (a sensibilidade) com as operações incalculáveis da faculdade de produzir idéias (a razão).
2 comentários:
muito bom!!!!
Parabéns, bem esclarecedor!
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